Arte de sobre(viver)

Imagina um artista que passa muito tempo sem pintar e quando decide pegar no pincel, percebe que a tinta está seca, grudada, enrijecida.

Então ele precisa apertar a tinta. E de tanto segurar, ela simplesmente explode na tela?

Bem, assim serve para nós, que guardamos o que sentimos. As palavras quando não ditas, acumulam-se em nossa mente, impedindo o espaço para novas ideias, novas histórias, novas memórias.

Hoje eu decidi deixar jorrar as palavras presas, para fluirem como as velhas tintas guardadas. Há muito tempo não dou cor na minha vida. E é melhor ter um quadro cheio de cor do que um branco. Certo?

Eis a minha mais nova obra de arte:

Minhas memórias afetivas.

Quando penso na minha infância, a imagem que tem me vindo à mente é de minha avó paterna e de todos os elementos que ela carregava.

Uma mulher de bengala, Que mal Conseguia pisar no chão, que passou mais de 60 anos da vida fazendo cirurgias por conta de um acidente de carro, que ficou viúva com cinco filhos adolescentes. Ela tão cheia de dores, mas tão cheia de cores.

Vovó era artista, criativa, inteligente. Ela era curiosa, interessante, surpreendente.

Até os meus quatro anos de idade, meu quarto foi no atelier de vovó. Ali descobri que ela pintava para expressar seus medos e para enxergar uma uma vida melhor.

Eu lembro do cheiro de tinta, do lápis riscando no papel, lembro dos cavaletes, do cheiro das frutas coloridas, das cores vibrantes, das mulheres pintadas em sua mais verdadeira essência. Lembro das maquiagens que ela usava, dos cílios, dos batons, delineador, das pulseiras de pedras, dos vestidos floridos, dos colares azul turquesa. Vovó levava beleza nas diversas formas para nossa vida.

Pouca gente era sensível para entender a sua arte. Mas eu estava ali, sempre perto, interagindo, experienciando de alguma forma o seu sentir. Eu a observava. Eu a compreendia.

Para os anos que eu viveria sem ela, vovó me preparou. Ela tão intuitiva, feminina, forte. Vovó sabia que nomes que carregamos são mapas para nossa vida e foi assim que ela acrescentou ao meu doce nome Fabiana, a energia da força e determinação da sua bisavó Natalia.

A Arte era uma forma dela sobreviver, de expressar suas dúvidas, medos, incompreensões. Em sua vida faltava ar, em sua obra sobrava cor de mar. Ora calma, ora brava. Ora extrovertida, ora solitária. Vovó era tão autêntica, tão iluminada, tão verdadeira e sensível.

Vovó já partiu faz muito tempo e eu me pergunto como manter sua memória viva em minha vida? Como alimentar a minha criança que vivenciou a escuridão e a criatividade de vovó?

E então rapidamente me vejo ouvindo música boa, sabe? Elis. Gal. Frank Sinatra. Caetano. Me vejo viajando e conhecendo histórias de vida e novas culturas; expressando aquilo que sinto; pintando; desenhando, dançando, criando.

Sei que estimulando outras mulheres sensíveis a pintarem seus quadros coloridos, e que escrevendo crio meu próprio quadro de memórias. Porque são nesses minutos de calmaria, de sentir sem medo, de ficar em silêncio, que transborda vida e conexão com a minha avó.

E assim, a minha intenção é trazer mais beleza para o mundo, através da minha autenticidade, apresentando a minha identidade ora forte de Nathalia ora melancólica de Fabiana.

Hoje, se eu pudesse te dizer algo seria: “em um mundo de sobreviventes, não deixe de trazer memórias, de honrar histórias, de enxergar vida, nesta arte que é viver.

Com amor, Fabiana Nathália.

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