Quando eu era mais nova me diziam que eu não podia chegar tarde em casa, porque era feio e o porteiro ia falar mal de mim para vizinhos.
Aquilo era incompreensível para uma jovem adolescente que só queria se divertir: “um porteiro define o quê eu sou para o outro? Ele quem tem o poder de dizer se eu sou boa ou má?”
Eu seguia as “regras” da casa, mas não deixava de ter curiosidade em saber: “o quê será que ele pensa e fala de mim?”
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Hoje me vi pensando, no meu porteiro, que está agora, sentado, assistindo a minha vida de quarentena através de várias câmeras. “O quê será que ele deve estar pensando de mim?”
Pois, imagino que para explicar ao vizinho, quem é a moça do 904, deve estar sendo uma tarefa confusa:
“Olhe, ela dá chuta o vendo; ri sozinha e conversa com as borboletas. Ela toca nas plantas e fica parada desenhando as flores. Ela anda nas pedrinhas de meia nos pés, senta-se em uma toalha, trás uma xícara e lê livros em voz alta. Ela me aparece toda descabelada, com uns sacos de arroz para fazer agachamento no maior sol. Sai daqui suando. Ela sobe e desce escadas sem parar e daqui dá para ouvir as suas gargalhadas. Sabe, tem dias, que ela faz umas coisas estranhas, o zelador que vê, diz que as músicas são esquisitas. Ela traz um pote com água, cheio de pedrinhas depois vai embora. Ela vive agarrada com uns cadernos anotando, toma banho de chuveirão de roupa e tudo, canta sem parar e do nada, lá está ela dançando. Ainda trás a mãe, coitada. À noite, ela fala sozinha, olhando para o céu no maior escuro. As vezes, cruzas as pernas, fecha os olhos e passa horas lá sem se mexer. Vejo que ela gosta muito da lua.
Eu só sei, meu filho, que antes, ela saia as 8:00 da manhã, toda arrumada, sempre correndo. Só chegava lá pelas 23:00, com uma cara de cansada. Nunca a via pelo prédio e eu nem sabia o seu nome. Depois, ela desapareceu por uns anos e nunca mais eu a vi. Agora voltou assim, fazendo umas coisas, do nada. Parece que estou assistindo um filme: se eu pisco o olho, já perdi alguma coisa”.
Está difícil né, meu porteiro?
O interfone aqui de casa tocou. Eu atendo: alguém fala: “alô, é da portaria, está tudo bem? A lua está cheia hoje, a senhora não vai subir?”.
“ALÔ, PORTEIRO, tudo muda o tempo inteiro, e a gente ainda quer ficar fazendo as mesmas coisas, pensando, reclamando e repetindo o mesmo pensamento: “o quê será que vão pensar?”
Talvez se mudássemos para: “o quê eu estou pensando sobre mim” fosse mais prático para sermos quem somos. A gente cria histórias na nossa cabeça, julga, critica e entrega a responsabilidade: “as pessoas são assim”. “O outro faz assim”. “O vizinho vive assim”. É mais fácil culpar, ora.
As pessoas somos nós.
A sociedade somos nós.
O outro somos nós.
Não dá mais para gente SER, porque TEM que ser, por MEDO do quê vão pensar sobre a gente.
“Eu sou médica, não posso mostrar que danço. Tenho que salvar vidas”. Mas você ama dançar.
“Eu sou advogada, não posso mostrar que gosto de pintar. Tenho que resolver os problemas dos meus clientes”. Mas você ama pintar.
“Eu sou empresária, não posso mostrar que estou dormindo demais. Tenho que me reinventar”. Mas você está cansada.
Médicos, advogados, porteiros, empresários, pais, mães, filhos, professores, dançarinos, estudantes, cozinheiros, etc. Todos somos um só: somos seres humanos. E humanos estão no Planeta Terra para evoluir.
E como se evolui? Vivendo.
E como se vive? Sendo a nossa essência.
E como faz isso? Sentindo.
E sentir é ser vulnerável, não é mesmo?
Nós somos muito mais do que o “rótulo” das nossas profissões, mas talvez, assim como eu, você levou o medo do julgamento por tanto tempo, que tem usado máscaras, para não mostrar quem você é verdadeiramente e agora nem consegue mais tira-lá.
Mas, de repente o inesperado acontece e nós temos a urgência de encarar esses medos. É preciso coragem para viver a nossa vulnerabilidade, meus amigos. É sim. Quem é mesmo você?
A nossa “reputação” deveria ser o quê fazemos e contribuímos com o quê temos de melhor. Estamos a caminho de uma nova Era. É hora de você também tirar as suas máscaras e descobrir o quê é ser você.
Agora, eu não preciso provar nada para o porteiro. Ele pode contar a história que quiser sobre mim, mas só quem sabe que essa transformação não aconteceu “do nada” sou eu mesma. E tudo bem, porque ele certamente, vai se conectar mais com a lua cheia, com a música, com as plantas e os livros. Isso não é ótimo?
Eu sou apenas eu mesma e o quê tenho vontade de ser. Haverão momentos de luz e de escuridão ao longo da minha vida. Mas isso não diz que eu sou boa ou má.
Essa é a nossa contribuição: viver a nossa jornada a ponto de fazer o “outro” ter um novo olhar para as coisas da vida e se transformar também. Somos um, lembram?
Valeu, porteiro!
https://m.youtube.com/watch?v=KFJIBTeUMF8