Quando olho para um passado bem distante, consigo enxergar uma criança com sonhos diferentes. Com brilho no olho. Com um jeito tímido por fora, mas cheio de energia e pensamentos por dentro. Eu bem que me sentia diferente. Com um pouco mais de idade, na adolescência, os gostos permaneciam indo na contramão da maioria das amigas da turma.
Eu gostava de ser a defensora dos fracos e oprimidos.
Eu queria ser desenhista e não médica ou advogada.
Eu gostava de imaginar e não de viver a realidade.
Eu gostava de sonhos.
Eu gostava da liberdade.
Eu gostava de careta e não poses.
Eu gostava de dançar a dança do esquisito sem olhar para ninguém.
Eu gostava de ajudar aos adultos a tomarem a atitude.
Eu gostava de luta e não de ioga.
Eu gostava de puxar ferro e não de fisioterapia.
Eu gostava dos pretinhos e não dos azedinhos.
Eu gostava de tirar os sapatos e não de usar salto agulha.
Eu gostava de cerveja e não de Champanhe.
Eu gostava de comédia e não do drama.
Eu gostava de sonhar com um casamento em um igrejinha na praia e não em uma casa de festa fechada.
Eu gostava não ter frescura a ter que dá explicação.
Eu gostava do livre e não do ciúme.
Eu gostava de cantar alto e não me preocupar com meus cabelos sedosos.
Eu gostava ouvir os outros e não de falar….
Foi de tanto ouvir os outros que esqueci de olhar para mim. Meu fantástico mundo começava a desaparecer. Fui absorvendo e aos poucos me transformei em outra pessoa. Diziam o que deveria fazer, de quem deveria me relacionar, o que deveria gostar. Do que eu deveria querer, o que seria o melhor para mim. Eu escolhia aos poucos a vida do outro. E quem era esse outro?
Eram todas as pessoas que eu amava: minhas amigas que tinham sonhos diferentes dos meus; meus pais que tinham pensamentos e valores diferentes dos meus; meus companheiros que tinham criações diferentes das minhas.
Mas que criatura seria eu? Que de uma criança brilhante e especial, me tornara um adulto sem saber o que queria? Então, em meio a muitos atropelos, muita vontade de olhar para o meu eu, com foco, determinação e sobretudo, com FÉ e ajuda de outras pessoas, descobri a felicidade que tanto buscava nos outros, em mim.
Hoje eu sei o que quero e o que não quero. Hoje sei escolher e tenho a consciência de que tudo tem dois lados: o bom e não tão bom assim.
Hoje eu prefiro conforto à roupa apertada; me alimentar de forma moderada à ter um corpo perfeito e ser escrava da beleza; sorrir de certeza à chorar de dúvidas; ter poucos amigos à ter muitos que não dão atenção; dá meu amor sem pensar em receber.
Eu quero consumir música. Eu quero livros. Eu quero superar minhas metas. Eu quero perdoar. Eu quero casar na praia. Eu ter meu papel nesse mundo. Eu quero dançar quando tiver vontade. Eu quero ser feliz. Eu quero um tempo para mim. Eu quero abraço. Mãos dadas. Quero beijos. Quero união da família. Quero preces. Quero flores e chocolates. Quero sinceridade. Quero viagens. Quero vinho. Quero colo de mãe. Quero uma casa enorme. Quero escrever um livro de histórias. Quero escrever um livro de piada sobre o meu dia. Quero massagem nos pés. Quero olho no olho. Eu quero…
No fundo o que sempre quis foi ser apenas eu mesma.