Era uma noite linda de lua cheia e a minha vista estava realmente especial. Eu amava a minha casa, porque era aquela que eu idealizava nos meus sonhos. Janelas. Ar puro. Passarinhos na varanda. A paz e a calma que eu sempre procurei. Lá havia tanto ar.
Sentada no chão, enquanto admirava o céu, recebo uma mensagem do meu colega de apartamento, perguntando se poderia levar uma amiga para casa. “Claro que sim, a casa é sua”.
Eles chegam.
Ela era tão bela. Tinha longos cabelos negros, lindos olhos verdes. “Hola, como estas?” Diz enquanto espalha no meu sofá um casaco preto e uma garrafa de vinho, e corre para preparar algo na cozinha.
Ela volta com um prato típico da Espanha: as famosas “tortillas”, senta-se ao meu lado no chão, abre o vinho e toma no gargalo. Gostei dela, pensei. Conversamos e rimos muito.
A moça chegara há pouco tempo na Austrália. E assim como eu, tinha saído de casa para conhecer um novo país. Comprou um carro e decidiu morar dentro dele. Depois de 2 meses de aventuras, lá estava ela, na minha casa.
Como forma de agradecer, ela se ofereceu para pagar uma cerveja. “Claro, vamos!”. Me arrumo e a encontro: “que bela! Você parece uma fada”. Eu sorri e disse: “e você, a Bella, da Fera”. Rimos e saímos.
Dançamos. Brincamos. Nos divertimos muito e voltamos.
Pouco depois, ela encontrou uma casa, mas já estávamos conectadas. Algo me atraía nela. Ela era viajada, bonita, corajosa, uma princesa moderna. Eu, só queria observá-la, conhecê-la, conversar e descobrir.
Havia nela algo tão…
Singular.
Na semana seguinte fizemos um piquenique. A levei no meu lugar especial. O dia estava ensolarado. À beira do rio, sentadas, admiramos a paisagem, entre árvores, pássaros e crianças. Falamos sobre o nosso conto de fadas: os medos, os sonhos e os príncipes.
Marcamos de ir a um dos Parques Nacionais de Queensland. Desbravamos as florestas tropicais, caminhamos, vimos borboletas, flores, abraçamos as árvores e finalizamos o dia do alto da montanha, diante de um pôr do sol magnífico.
Estava frio. Fomos atrás de um café quentinho. “Que dia, obrigada, meu Deus”, falei. Ela, fitando o sol disse: “eu não lembro da minha mãe. Então, Ele não pode existir. Eu agradeço pela beleza da natureza”.
A mãe da princesa Bella morrera, quando ela ainda era uma garotinha.
O café desceu queimando na minha garganta. Era a primeira vez que eu conhecia alguém que não acreditava em Deus. Era a primeira vez que eu tinha uma amiga que não tivesse crescido com a mãe.
Não sabia o que dizer. Respirei e não tentei corrigir o seu pensamento, baseado nos meus princípios, como de costume.
Ficamos ali sentadas. Sem falar nada. Apenas sentindo a gratidão. Eu, por Deus. Ela, pela natureza.
Voltamos para casa. Aquilo foi realmente poderoso. Bella não acreditava em Deus, mas me parecia fazer coisas iluminadas. Ela amava os animais e nem os comia. Enquanto que eu falava com Deus toda hora, mas nunca com a Mãe Terra. Eu nunca tinha nem entrado em uma floresta, nem abraçado uma árvore. Realmente foi um dia e especial.
Na semana seguinte mandei uma mensagem e ela me respondeu dizendo não estava bem. “Chego em 5 minutos. Vou ficar com você. Tenho ovos cozidos”, falei. “Ok. Vou preparar um chá”.
Lá estava Bella cabisbaixa. Eu a ouvi atentamente, mas na tentativa em ajudar, decidir me conectar falando sobre a minha vida pessoal. Sem perceber começamos a nos conectar pelas dores. Tomamos nosso chá e sugerimos documentários uma à outra. Minha escolha era: Eu não sou o seu Guro, com Tony Robbins. “definitivamente você precisava lidar com as emoções” pensei. E ela certamente pensou: “definitivamente você precisa saber que o ovo vem de um animal” pois me indicou um daqueles documentários sobre parar de comê-los.
Dois meses depois, fomos novamente no meu cantinho especial. Bella estava preocupada. E eu, em transe. Acabara de participar de um Seminário em Sydney, com o próprio Tony Robbins. Sim, o meu guru. Que não é bem um guro, mas foi através dele que despertei.
Então eu, cheia de sentimento de gratidão, sugeri que ela fosse morar no meu castelo.“Ora, será perfeito: vamos tomar vinho, chá, desbravar a natureza, treinar o inglês e sair para dançar. Eu te ajudo a gerenciar suas emoções e você, me ajuda a salvar a natureza”.
“Ótimo, amanhã me mudo”.
Então, em mais um dia maravilhoso, na minha incrível casa, iniciaria o meu ritual matinal: agradecer, sorrir, me espreguiçar, beber água, meditar, cantar, cozinhar.
Sem nem abrir os olhos, eu seguia para a minha varanda encantada. Se alguém estivesse acordado, paciência. Todos já sabiam. Silêncio. A fada Fabiana não aceita trocar energia antes de meditar e agradecer. Então, sem dar uma só palavra com qualquer criatura que me aparecesse, eu corria para me esticar na minha toalhinha devidamente preparada no dia anterior.
Velas.
Óleos.
Cristais.
Ah, que delícia. Eu amo a minha rotina.
Sento-me.
Cruzo as pernas.
Palmas das mãos abertas. Fecho os olhos.
Respiro. 1, 2,3. É hora de embarcar no meu mundo paralelo, mas ouço portas batendo.
“Não gosto de barulho. Que falta de respeito!”
Alguém segue falando em voz alta e não era em inglês.
Eu respiro. 1, 2, 3…tento me concentrar e não pensar, mas sinto a energia de chinelos arrastando até chegar a mim: “Hola, bela fada, sabes onde estão os produtos de limpeza?”
Revirei os olhos. Ela chegou e eu mesma que a coloquei lá.
Sem me mexer, respondi: “eu não sei, estou meditando”. Ela insistiu: “mas, bela, eu preciso limpar o meu quarto. Respiro e respondo: “Sim. E eu estou meditando”.
Ela segue arrastando o chinelo. E eu, arrependida pelo convite.
Depois da sandália, passou a ser a respiração, o talher, o seriado, as roupas. Tudo na princesa encantada me irritava.
Ela era confusa, mudava tudo de lugar, deixava tudo espalhado.
Ela cantava alto, queria elogios e achava que sabia de tudo.
Ela só pensava no príncipe, mas se contentava com sapos.
Ela fazia tudo do jeito dela.
Havia algo nela que ainda me intrigava.
Passaram-se uma, duas, três semanas. Na quarta eu não conseguia mais ficar em casa. Não tomamos chá juntas, não saímos para beber. Nao teve valsa na biblioteca, nem flores vermelhas na janela.
O desentendimento foi inevitável.
Primeiro ela gritou. Depois ela chorou. Então ela xingou e então, ela fugiu.
A Fada virou a própria Fera.
Eu me irritava demais quando alguém chorava e se fazia de vítima.
Depois de muita troca de farpas. Perdemos o controle. Então falei irritada: “Você é chata, menina. Inconveniente. Você me invadiu”.
Ela fez uma cara de desespero, chorou e logo levantou a voz: “a casa não é só sua. Você sempre se incomoda com quem vem morar aqui”. E então saiu correndo para o banheiro para se esconder.
Fiquei em silêncio. Nao dei atenção as suas palavras pois nada me irritava mais do que ver alguém além de chorar, ser vítima e sair fugindo sem conversar. Fui atrás da garota fugida com toda raiva que poderia haver dentro de mim. Ela, dentro do banheiro, chorando e gritando: “me deixe”. Eu, na porta gritando: “encare!”
Eu nunca havia brigado com uma amiga daquele jeito. Aquilo era confuso, porque a cada palavra que eu falava, meu coração acelerava.
É que havia nela algo tão…
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O quê eu via nela era o que tinha aqui, em mim. Um lado vergonhoso, solitário, vulnerável que não queria aceitar.
Eu vinha vivendo um ano confuso; mudava os móveis de lugar e deixava livros e post it espalhados na casa.
Eu colocava música e mantras de meditação.
Eu também queria príncipes, mas me contentava com sapos.
Eu achava que sabia do outro, mais do que ele mesmo.
Eu não aceitava quando eu tinha vontade de chorar, não queria ser a vítima, mas já tinha agido como tal inúmeras vezes. Eu também chorava e fugia das situações. Estar ali naquele país era uma fuga.
Eu queria ser elogiada e reconhecida, porque tudo o que fazia era na melhor das intenções. Ela também. Cada uma do seu jeito.
A história poderia ter terminado aqui, mas foi através dela que eu me descobri. Sim, eu me sentia invadida várias vezes ao longo da minha vida. Então, decidi mergulhar em uma Jornada da Alma para buscar a minha essência e entender os meus sentimentos. Tomei coragem e sai da minha casa dos sonhos, sem muitos planos e sem muito dinheiro.
Foram 6 horas viajando entre ônibus e trem, apenas com uma mala de mão, para viver 10 dias em uma casa escolhida aleatoriamente na internet. Era hora de aceitar a Fera que havia em mim.
Nessa incerteza, fiquei em uma casa, com um casal e uma criança. Tinha varanda, ar fresco, silêncio. Eu tinha uma rotina. Andava na praia, meditava, fazia exercícios, escrevia, atendia. Me sentia flutuando ali, simplesmente porque dei espaço pra me ouvir verdadeiramente.
Decidi então acreditar na minha intuição: era o momento de voltar para o Brasil, mas antes, viveria de maneira mais profunda a minha Jornada espiritual.
Me inscrever em um Retiro do Silêncio, no alto de uma Montanha, foi o primeiro passo. Perdoar a moça independente, divertida e sonhadora, era o segundo.
Deus é a natureza que habita em nós. Eu vejo você, Bella. Vamos agora nos libertar. O nosso príncipe vai vir, mas primeiro precisamos acalentar a Fera que há em nós.
Adivinha quem me levou nas montanhas?